Vamo simbora daqui?

– Vou largar tudo e me picar do Brasil.
– Rapaz…muita gente está fazendo isso mesmo. É uma excelente opção.
– Não é? Segurança, poder de compra, qualidade de vida…

É bastante frequente esse tipo de conversa acontecer nos encontros de amigos.

Acontece muito comigo e não foi diferente num desses almoços da sexta pelos shoppings da cidade. Eu e o metal brother Camilowsky marcamos para atualizar as novidades da vida, ouvir conselhos e dar muita risada das idiotices e infantilidades de 5ª série que todo homem que se preze fala nesses encontros. Mas desta vez eu questionei se seria realmente excelente abandonar tudo aqui e se aventurar em terras estrangeiras.

Cheguei a conclusão que não existe um “certo” e um “errado” para a resposta dessa pergunta e que ela varia de acordo com cada contexto, cada momento, cada pessoa.

Tipo: “É bem provável que talvez”, como eu costumo responder naqueles momentos de 5ª série.

Aliás, eu até escrevi algo semelhante neste artigo aqui: https://www.linkedin.com/pulse/ir-ou-não-eis-questão-lau-yamazaki/

Até bem pouco tempo atrás eu era defensor da imigração para “terras mais civilizadas”. Lugares onde existe segurança de verdade. Andar na rua de noite sem se preocupar com assaltos e poder usar um celular sem a nóia de estar sendo observado para um bote repentino.

Por falar em celular, ter a oportunidade de comprar um sem ter que vender um rim ou entrar num financiamento de 120 meses. Até a última parcela, o celular já estaria completamente ultrapassado, se ainda não tivesse sido roubado.

Acesso a cultura, shows, atrações, educação formal e doméstica. Gente…educação! Olha que coisa fantástica!

Além de milhares de outros argumentos que podemos listar facilmente quando queremos fazer valer o viés de confirmação.

Mas o que é esse “largar tudo” e ir embora?

O que vamos deixar para trás num recomeço nas terras alheias?

Eu comecei a listar, de coração aberto mesmo, esse “entulho” que acumulamos ao longo da vida no local que vivemos e que de forma ingênua eu mesmo vociferava que deixaria para trás para morar em outro lugar.

E deixaria mesmo se tivesse criado oportunidades para isso acontecer.

Mas eu não criei na época.

O tempo passou eu fiquei por aqui. E agora, beirando os 50 anos as oportunidades é que batem na porta para perguntar com a cara mais lavada do mundo: “E aí, bonitão? Vamo simbora daqui?”

Depois de ter passado por uma rápida experiência assim, eu pondero se na minha condição uma imigração vale mesmo a pena.

O mundo mudou (jura, Lau?) e o fator determinante para justificar esse movimento já não é mais tão determinante para o meu contexto.

Abrir mão de encontrar as pessoas que fazem diferença em sua vida. Parentes, amigos, colegas de colégio, até mesmo as pessoas chatas que mudaram com o tempo e as pessoas legais que agora estão um porre! Ninguém aguenta. Mas faz parte.

Abrir mão de lugares que você se identifica. Que você vai com frequência e aproveita o que nenhum outro lugar vai te oferecer.

Abrir mão de particularidades que só tem ali, onde você vive. Da estrutura que você construiu (ou que ainda está construindo), das coisas erradas para você ter do que reclamar, daquela comida que você tanto gosta e que fala que “não é a mesma coisa” quando come a genérica em outro lugar.

Abrir mão de se sentir em casa e não ser sempre o “estrangeiro”, privado de muitos benefícios e sofrer preconceitos de forma bem explícita. Nem todo povo é acolhedor como o brasileiro, afinal.

Talvez eu esteja entrando na fase do nômade sazonal: vou mas volto. Faz mais sentido. Pelo menos pra mim, para a minha idade, para o meu propósito, para o meu interesse e para o meu…conforto. Sim e não há nada de errado nisso.

Hoje podemos trabalhar em qualquer lugar. Para qualquer empresa. Bem…nem todo mundo pode. Mas na minha área de atuação isso é muito comum. E eu acho isso fantástico.

Meu empregador ou meu cliente pode estar em qualquer parte do globo e nada nos impede de trabalhar juntos. Se precisar ir lá para reuniões, semanas de trabalho, imersões, seja lá o que for, basta ir. E depois voltar.

Como turista ou como nômade sazonal eu aproveito as coisas boas quando é conveniente. Depois volto para aproveitar as coisas boas que são convenientes na minha casa.

Eu acho importante ter a minha base aqui.

– E as coisas ruins que você comentou?

Cada lugar tem suas coisas ruins. Não existe cidade, estado, região, país perfeito. Sempre vamos pagar um preço no lugar em que vivemos. Mas há de se colocar na balança também as coisas boas. E as coisas boas que eu tenho aqui são muito valiosas para ter a oportunidade de trocar por um iPhone mais barato.

Não estou dizendo com isso que eu não iria de forma alguma. Mas que para isso acontecer, os argumentos precisam ser muito efetivos para me convencer.

E você?

No seu contexto vale a pena largar tudo e ir pra outro lugar?

Você tem ideia do que é esse “tudo” que você abriria mão?

O que te convence? Dinheiro, segurança, acesso a diversas coisas, carreira, esperança?

Comenta aí para eu saber. 🙂

Siga em frente. Sempre. E até o próximo acampamento.

Tá refletindo sobre sua vida, né?

Eu aposto que sim.

Apesar de parecer algo muito óbvio, acredito que estamos vivendo um período no qual esse tipo de pensamento está mais presente, mais frequente nas suas reflexões diárias. Em todos os aspectos e por muitos motivos.

Eu, por exemplo, não lembro de ficar nessa ansiedade há alguns anos. E não acho que seja apenas por causa da idade – e os sintomas da consciência da nossa finitude – mas também por causa do momento que atravessamos.

E ao refletir sobre minhas reflexões (há!), listei alguns pontos que fazem parte de minha inquietude e que provavelmente fazem parte das suas também.

Aviso aos ansiosos de plantão: o texto é um pouco mais longo do que tinha planejado. Mas acho que vale a pena chegar até o final.

Sente, respire, beba uma água e venha comigo.

1. Pandemia

“Putz, Lau! Vai chover no molhado?”

Tá, eu sei que já se falou de tudo sobre a pandemia. Mas você já parou mesmo para pensar a extensão do impacto dela na sua vida? Óbvio que mudou o mundo, que mudou tudo e mais um pouco. Mas e em sua vida? Você só pensou nos aspectos negativos? Teve aspectos positivos?

O que mudou em sua forma de pensar depois de março de 2020? Suas relações, suas perdas, sua maturidade, sua liberdade, suas prioridades, suas crenças, sua ideia de futuro?

Será que a gente consegue ao menos medir o que esse desvio de rota causou no nosso psicológico?

Quantos comportamentos novos (ou estranhos) você notou em você e nas pessoas de sua convivência?

2. Falta de…propósito

Eu até uso bastante a palavra “propósito” mas ela já ficou bem clichê.

Não dá para negar que ultimamente temos visto uma grande discussão em torno dele, principalmente no contexto de trabalho. Gurus, coachs, líderes, mestres, têm apresentado caminhos e metodologias para buscarmos o propósito, uma razão, um Ikigai. Sem ele a sua vida vai girar em torno da perdição e da infelicidade.

O fato é que há uma grande propaganda em torno da “busca pelo que te faz feliz”. Eu não sou contra isso mas o discurso parece sugerir que você tem que largar tudo o que te incomoda e identificar aquilo que só te traz prazer ao trabalhar.

Gente, isso não existe. Pelo menos pra mim.

Sempre vai ter problema, percalços, clientes sem noção, chefes beócios, sensação de tempo perdido, discordâncias. E tudo isso pode ser pelo simples fato de que você esteja medindo o mundo com a sua régua. Não tem como saber as motivações reais ou estratégias corporativas para algumas coisas acontecerem.

E se a cada entrave você quiser “largar tudo” ou ficar pensando na megasena para mudar de vida…

Muitas vezes não é “falta de propósito” e sim o apego ao discurso da felicidade constante.

3. Fragmentação da atenção

A moeda mais valiosa do mundo atualmente é a sua atenção.

As empresas fazem de tudo para que você, mesmo sem a consciência disso, entregue toda a atenção que puder para os seus produtos e serviços. É um verdadeiro bombardeio de estímulos desleais que sofremos a todo momento.

E o pior é que acreditamos que o melhor lugar para se estar nessa guerra da atenção é no meio do tiroteio, ostentando com orgulho (mas sem consciência) a condecoração do FOMO (Fear of Missing Out – ou medo de estar desatualizado em tradução livre). Daí nossa atenção ser tão fragmentada e acharmos de verdade que somos multitarefas.

E isso só é possível graças ao próximo tópico.

4. Hiperconexão

A hiperconexão acontece até mesmo quando você está dormindo. Tem aplicativo que mede a qualidade do seu sono – através do seu celular ao lado da sua cama ou do smartwatch no seu pulso. Estamos incessantemente conectados e gerando dados que estão circulando por aí, na nuvem.

Não temos tempo para identificar e interpretar nossos reais sentimentos. Nossas reais experiências. Estamos ocupados deslizando na timeline ou tirando selfies para construirmos nossa identidade com a aprovação alheia. Passamos o dia alimentando nosso “digital self”, que é muito mais real e tem muito mais memória do que nossa existência material.

O nosso vazio existencial aumenta à medida que a completude do nosso digital self também aumenta.

E eu nem vou comentar sobre as crianças e adolescentes. Deixo para um próximo artigo.

5. Relações superficiais

Não é à tôa que as relações passam a ser mais efêmeras, voláteis, superficiais. Assim como a gente já tinha o hábito de zappear entre os canais da extinta televisão (que hoje é apenas mais um suporte para a internet), trocamos de videos no youtube, de posts em blogs, de feeds no instagram, de dancinhas no tiktok, com a mesma facilidade com que damos ou não match no aplicativo de “relacionamento”.

A tolerância e a empatia com os pares são as coisas mais raras de se encontrar atualmente.

O critério de seleção começa pela sua aparência. Aliás, na maioria das vezes é assim mesmo, né? Se a estética agrada, joga pra direita. Se não, joga pra esquerda.

Com essa mesma “facilidade” os casais reavaliam namoros, noivados, casamentos, histórias de vida juntos. Principalmente depois dos 30 anos.

A construção é individual agora. É egoísta. Eu quero ser feliz e você tem o privilégio de estar ao meu lado me fazendo feliz sendo perfeito(a). Caso contrário…deslizo pra esquerda.

Em tempo: na amizade é a mesma coisa.

“Próximo(a)!”

6. Algorítmos

Bobinhos…vocês acreditam que estão lendo esse artigo porque acharam o título interessante?

Nahhh…quem determinou essa leitura foram os algorítmos. A gente já ouviu falar. Só não sabe que bicho é esse, né?

Os algorítmos são a forma digital de Deus. São eles que determinam o destino de sua vida, suas escolhas, suas felicidades, suas tristezas, suas relações, suas experiências, sua aprovação social. Enfim, já entenderam, né? Os algorítmos são o seu “livre arbítrio”.

Não tem muito como escapar. E mesmo que você tenha a real noção sobre isso, uma pergunta resta: você gostaria mesmo de escapar?

Segundo um cantor famoso: “Narciso acha feio o que não é espelho”.

7. Voz (e vez) aos idiotas

Você pode até não concordar com tudo o que eu disse até agora. Mas taí algo que você não vai discordar: a internet – e todos os seus desdobramentos – deu voz aos idiotas. E isso te irrita.

Quantas e quantas vezes você já se deparou com absurdos ou imbecilidades ao longo de suas jornadas por timelines? Militâncias, preconceitos, vergonhas alheias, bullying, mentiras e tantas coisas mais.

Sou contra a relativização de tudo mas será que nosso critério de rotulação para a imbecilidade não está diretamente relacionado com nossas referências e gostos pessoais?

Tipo: todo mundo tem acesso e fala (quase) tudo o que quer. Inclusive você.

Ou seja, para outras pessoas você pode ser um…gênio. 😉

Mas voltando aos idiotas, talvez essa newsletter seja um bom exemplo disso. 😀

Tudo isso causa, na forma mais branda, a ansiedade, a inquietação, a depressão, a insônia. E todos esses tópicos estão intimamente relacionados. Uma coisa puxa a outra.

É por isso que eu acredito que você tem refletido bastante sobre a sua vida. Talvez não diretamente sobre os tópicos que listei.

Mas sobre essa inquietação que nos aflige enquanto pintamos nossa grama de verde diariamente.

E para não dizer que eu só trouxe mais inquietações e nenhuma resposta, segue um exercício que eu faço ao final do dia e que me ajuda bastante: uso um “planner digital” que tem uma seção onde eu escrevo respostas para as seguintes perguntas:

  • O que me irrita?
  • O que me deixa ansioso?
  • O que me empolga?
  • Pelo que sou grato?

Obviamente isso não vai resolver os seus problemas mas o fato de você escrever, tirar da sua cabeça e colocar no…”virtual”, vai ajudar a você ter mais clareza sobre o que está acontecendo na sua vida.

Foi por essas e outras que em 2015 montei um curso (que era presencial) e que se chama Vida Digital, que abordava essas e outras questões. Basicamente sobre como viver em uma sociedade hiperconectada. Ao longo desses últimos anos muita coisa mudou e preparei uma atualização supimpa para esse curso (que agora é online, claro!), com uma turma que começa agora em maio de 2022. Se você tiver interesse em conhecer um pouco mais, clica aqui. A pré-inscrição é gratuita. Nem dói.

A ideia é hackear quem está te hackeando. Hehehe.

Bom, se você chegou até aqui e não estava pensando na sua vida, agora está. 😉

Siga em frente. Sempre.

E até o próximo acampamento.

Nem tudo são dores

Noites de terças são geralmente prazerosas aqui em casa. Eu e minha esposa reservamos essas noites para nós. Isso é inegociável. Não tem outro compromisso. Eu toco violão (que ela adora) e ela faz o jantar (que eu adoro). E assim é toda terça.

Mas numa dessas terças houve um “acidente de percurso” na hora do jantar. No meio da fabulosa experiência gastronômica, de repente, senti um barulho estranho no dente 46 (ou primeiro molar inferior direito). Só sei isso porque minha esposa é dentista.

O dente havia trincado.

Exatamente o dente que há alguns meses eu precisei fazer um canal.

E a avaliação de minha esposa não era nada animadora.

“Parece que é caso de implante agora. Preciso de uma tomografia para avaliar a extensão da rachadura”.

Lascou! – pensei com frio na barriga.

Implante? Vai ter que extrair, usar uma britadeira para entrar com um parafuso no osso da mandíbula, bater com martelo, soldar o dente fake com maçarico…E agora?

Só em ter que passar por essa jornada eu já fiquei bem desanimado.

Me senti como se Caronte tivesse acabado de me deixar na outra margem do Aqueronte e eu estava encarando as portas do inferno, prestes a deixar todas as minhas esperanças ali fora. Mas isso não era comédia. E muito menos divina. Dente com problema não é coisa de Deus.

Porém, toda jornada precisa do primeiro passo para acontecer e a consciência de que é preciso ter resiliência e constância para completá-la.

E, claro, começa a passar um filme na cabeça com flashes de tantos outros acontecimentos da minha vida (profissionais e pessoais) que me trouxeram até aqui.

Casamentos, filhos, cursos fora do País, trabalhos freelance, empreendedorismo, estudos na madrugada…são muitas experiências e todas elas precisaram de um pontapé para começar. As vezes coragem, as vezes empolgação…mas no caso do implante eu não tinha nenhuma das duas.

O engraçado é que eu escuto esse mesmo discurso no processo de mentoria para migração de carreira para UX Design. Acabei associando isso aos meus mentorados e suas jornadas para entrar nessa área. Não que a migração seja entrar no inferno – longe disso – mas todo processo é demorado e às vezes dolorido. Tal qual esse procedimento no meu dente.

Em muitos casos, eles relatam que algo está trincado na vida deles. E essa rachadura geralmente tem a ver com pouca grana, desestímulo com o trabalho atual, falta de desafios, falta de propósito, inércia, entre outras coisas.

Nos seus discursos, acreditam que a migração será bacana para eles e que, ao final, serão bem remunerados, terão plano de saúde e vão amar entrar nessa “área nova” que tá bombando. Na maioria das vezes não é assim. Mas assim foi dito para eles.

Além da coragem e da empolgação é preciso ter paciência. E entender que a jornada tem seus altos e baixos.

Há de se abdicar de muitas coisas mas o progresso contínuo é o combustível que alimenta a empolgação para continuar.

Daí voltei para o meu problema no dente e escutei a consciência de forma carinhosa soprar gentilmente nos meus ouvidos: “Larga mão de bestagem, seu merda! Marca logo a cirurgia e resolve logo esse dente aí!”

Foi o que fiz.

E, para minha surpresa, ao ler as recomendações do cirurgião para o pós-operatório, me deparo com um item explicitando que poderia usar e abusar de sorvete. Isso mesmo: SORVETE! E eu ainda poderia escolher o sabor! Claro, quem me conhece já sabe: flocos!

Além disso, deveria evitar falar muito e não fazer exercício físico. Oh, glória!

Tá, eu sei que eram apenas por 3 dias mas não foi difícil hackear isso, né? Obrigado Liquid Paper!

Enfim, recadinho maroto para a patota do barulho que vai encarar uma jornada: A estrada pode ser longa mas nem tudo são dores.

E sorria ao longo da jornada. Mesmo sem o dente.