Noites de terças são geralmente prazerosas aqui em casa. Eu e minha esposa reservamos essas noites para nós. Isso é inegociável. Não tem outro compromisso. Eu toco violão (que ela adora) e ela faz o jantar (que eu adoro). E assim é toda terça.
Mas numa dessas terças houve um “acidente de percurso” na hora do jantar. No meio da fabulosa experiência gastronômica, de repente, senti um barulho estranho no dente 46 (ou primeiro molar inferior direito). Só sei isso porque minha esposa é dentista.
O dente havia trincado.
Exatamente o dente que há alguns meses eu precisei fazer um canal.
E a avaliação de minha esposa não era nada animadora.
“Parece que é caso de implante agora. Preciso de uma tomografia para avaliar a extensão da rachadura”.
Lascou! – pensei com frio na barriga.
Implante? Vai ter que extrair, usar uma britadeira para entrar com um parafuso no osso da mandíbula, bater com martelo, soldar o dente fake com maçarico…E agora?
Só em ter que passar por essa jornada eu já fiquei bem desanimado.
Me senti como se Caronte tivesse acabado de me deixar na outra margem do Aqueronte e eu estava encarando as portas do inferno, prestes a deixar todas as minhas esperanças ali fora. Mas isso não era comédia. E muito menos divina. Dente com problema não é coisa de Deus.
Porém, toda jornada precisa do primeiro passo para acontecer e a consciência de que é preciso ter resiliência e constância para completá-la.
E, claro, começa a passar um filme na cabeça com flashes de tantos outros acontecimentos da minha vida (profissionais e pessoais) que me trouxeram até aqui.
Casamentos, filhos, cursos fora do País, trabalhos freelance, empreendedorismo, estudos na madrugada…são muitas experiências e todas elas precisaram de um pontapé para começar. As vezes coragem, as vezes empolgação…mas no caso do implante eu não tinha nenhuma das duas.
O engraçado é que eu escuto esse mesmo discurso no processo de mentoria para migração de carreira para UX Design. Acabei associando isso aos meus mentorados e suas jornadas para entrar nessa área. Não que a migração seja entrar no inferno – longe disso – mas todo processo é demorado e às vezes dolorido. Tal qual esse procedimento no meu dente.
Em muitos casos, eles relatam que algo está trincado na vida deles. E essa rachadura geralmente tem a ver com pouca grana, desestímulo com o trabalho atual, falta de desafios, falta de propósito, inércia, entre outras coisas.
Nos seus discursos, acreditam que a migração será bacana para eles e que, ao final, serão bem remunerados, terão plano de saúde e vão amar entrar nessa “área nova” que tá bombando. Na maioria das vezes não é assim. Mas assim foi dito para eles.
Além da coragem e da empolgação é preciso ter paciência. E entender que a jornada tem seus altos e baixos.
Há de se abdicar de muitas coisas mas o progresso contínuo é o combustível que alimenta a empolgação para continuar.
Daí voltei para o meu problema no dente e escutei a consciência de forma carinhosa soprar gentilmente nos meus ouvidos: “Larga mão de bestagem, seu merda! Marca logo a cirurgia e resolve logo esse dente aí!”
Foi o que fiz.
E, para minha surpresa, ao ler as recomendações do cirurgião para o pós-operatório, me deparo com um item explicitando que poderia usar e abusar de sorvete. Isso mesmo: SORVETE! E eu ainda poderia escolher o sabor! Claro, quem me conhece já sabe: flocos!
Além disso, deveria evitar falar muito e não fazer exercício físico. Oh, glória!
Tá, eu sei que eram apenas por 3 dias mas não foi difícil hackear isso, né? Obrigado Liquid Paper!
Enfim, recadinho maroto para a patota do barulho que vai encarar uma jornada: A estrada pode ser longa mas nem tudo são dores.
E sorria ao longo da jornada. Mesmo sem o dente.