por

Sincronicidade

Eu olho para as pessoas e vejo uma tristeza profunda em seus sorrisos e suas poses de plenitude.

“Quem você pensa que está enganando?”, reflito silenciosamente.

Nossa vida é uma assincronia maluca.

Quando criança, você faz o que os adultos mandam.

Quando adolescente, se aborrece mas acaba cedendo e faz o que os outros mandam.

Finalmente se torna adulto e, quando pensa que vai fazer o que quiser, entra num emprego que te abençoou com uma oportunidade (e não o contrário) e você passa a fazer tudo aquilo que o seu chefe manda.

E não pense você, empresário, que está livre disso. Você faz o que o seu cliente manda. Você faz o que o mercado manda.

Você casa…nem vou continuar os argumentos na condição de homem hétero. Chegam os filhos e, além de todo mundo, agora você tem demandantes.

A hora de mandar parece que nunca chega.

Mesmo sendo empresário. Mesmo sendo alto funcionário, com títulos bonitos e pomposos. Mesmo sendo pai. Mesmo sendo o “homem da casa”.

Ridículo. Patético.

Quando fiz 35 estabeleci um plano de me aposentar aos 50, sendo escritor. Queria escrever crônicas. Queria não, quero! “Queria” é futuro do pretérito. Tinha 15 anos para fazer acontecer. Juntar dinheiro e escrever.

Mas eu não fiz. Falhei miseravelmente por postergar tanto algo que eu queria. Eu disse muitos nãos. Guardei o planejamento na estante.

Tão simples. Tão prático. Não precisava mais do que um papel e uma caneta.

E mesmo assim, eu não fiz.

Não vou culpar os mandos e demandas da vida. Não vou culpar a corrida pelo dinheiro. Todo mundo passa por isso. E é exatamente neste ponto que eu enxergo a tristeza profunda em seus sorrisos e poses de plenitude.

Mesmo com os rabos cheios de dinheiro ou sua pseudo-felicidade instagramável. Instagrodiável, seria mais adequado.

A culpa é minha mesmo.

Há quem diga que fez da vida o que planejou.

Não se sabe. Ou teve a sorte de caminhar em uma linha reta insossa ou nem parou para refletir e usa esse argumento enviesado pensando que não está na horda de infelizes.

Em algum momento, algo tirará o seu sorriso instagrâmico da cara. E ela vai chorar escondida no banheiro.

Eu fiz 50 dizendo não ao que eu deveria ter dito sim ao longo dos últimos 15 anos. Seria suave. Aprenderia bastante. Compartilharia tudo como vejo.

Eu cheguei a ser um Thoreau de forma compulsória na vida, enquanto era um Rubem Braga nos sonhos.

Fui pobre. Fui rico. Fui infeliz. Fui feliz.

Mas não fui cronista.

E eu só precisava de uma caneta e um papel.

Talvez, agora aos 50, tenha chegado a minha hora de mandar.

Mandar tudo à merda e finalmente dizer sim à crônica.

A sincronicidade.

Comente

Comentário