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Trilhas da mudança

Ou: o que uma viagem para a Chapada Diamantina me ensinou sobre antecipação de problemas e resistência à mudanças.

(Disclaimer: o texto é longo. Então, se você tem muita coisa para fazer e não pode dedicar 5 minutinhos para ler esse artigo, você está errado. Pare o que está fazendo e leia. Obrigado). 🙂

De vez em quando eu ligo os pontos mesmo em momentos de puro lazer.

Aliás, eu só estou falando sobre lazer agora porque já passei por toda a experiência e percebi que, mais uma vez, eu fui sequestrado pela ansiedade e medo da mudança.

Deixe eu explicar:

O São João é uma festa bem tradicional no nordeste do País. E na minha humilde opinião, é a melhor festa do ano. Muita comida, muita bebida (eu não bebo mas pra quem bebe e gosta…), muito forró (o verdadeiro pé-de-serra, né? Nada desses forrós-fake universitários). É um clima fantástico.

E para esse ano, já que as cordas que represavam todo mundo foram baixadas, eu e minha esposa decidimos viajar para algum lugar bacana e que tivesse um São João com boas atrações para curtirmos o clima junino.

Eis que, após votações e análises de possibilidades, escolhemos a Chapada Diamantina – coração da Bahia e lugar de belezas naturais indescritíveis.

Reservei hotel, levei o carro para uma boa revisão e comecei a escolher algumas das atrações dentre as milhares que existem por lá.

Cachoeiras, grutas, cavernas, lagoas, rios, morros. Tudo muito lindo. Tudo muito fantástico.

Mas para chegar em cada uma dessas atrações sempre tinha uma trilha, um desafio, diversas subidas íngremes, ladeiras, rochas, mata fechada, armadilhas para ursos camufladas no chão, bichos peçonhentos, crateras que se abriam no chão do nada, desidratação, esforço físico mortal…pronto: cabeça sequestrada pela antecipação de coisas que eu sequer sabia se eram reais ou não.

E vou ser sincero, dentre tudo o que eu listei exageradamente acima, o que mais me incomodava era o esforço físico mortal. Eu sabia que, pelo menos isso, era real.

Olhei muitos canais no Youtube, né? E ficava caçando os videos que o pessoal dizia que você tinha que ter passado pelo treinamento dos Navy Seals para subir no Morro do Pai Inácio ou descer (e ter que subir) lá no Poço Encantado.

Não adianta você tentar entender isso. Sou hipertenso e sedentário. E antes da viagem estava muito hipocondríaco. Confesso.

Ou seja: receita para o caos. Eu e a Chapada Diamantina. Dois elementos completamente opostos.

Mas eu tinha que verificar se era mesmo tão oposto assim e por isso o desafio foi aceito e na data planejada pegamos o carro e partimos para a Chapada. Mais especificamente para a cidade de Lençóis, nosso ponto de partida para tudo.

Montei toda uma programação com as atividades e os turnos em cada uma delas. Tudo trabalhado no Keynote, coisa linda de Deus. Pensei até em imprimir para fazer um quadro de recordação (pensando bem…até que não é uma má ideia agora).

Planejamento lindo, vocês precisam ver.

Daí que eu, orgulhosamente, mandei para um casal de amigos que tinha passado por lá 2 meses antes da nossa expedição e eles retornaram com audios no WhatsApp condenando praticamente tudo o que eu havia planejado.

Como tudo lá é muito longe, o ideal era montar as atrações por região e, obviamente, saber aproximadamente a duração de cada uma delas. Tava uma bagunça. Eles deram muita risada mas também deram conselhos valiosíssimos para que a gente conseguisse fazer tudo (ou praticamente tudo) o que havíamos pensado. Se não fossem por eles, teria sido uma grande dor de cabeça e muitas atrações não teriam sido visitadas.

Ah sim, já ia esquecendo. O insight aqui é que se você não ouve o usuário ou alguém que já passou pela experiência, o risco do planejamento baseado somente na sua cabeça é de falhar miseravelmente.

Mas voltando aqui à expedição.

A ansiedade continuava e ainda pior depois das dicas que o pessoal nos passou. Dentre as coisas que eles me falaram estavam frases como: “é cansativo mas você aguenta de boa”, “a subida é punk…mas nada que você não consiga fazer parando de vez em quando para respirar”, “eu cansei mas é tranquilo”.

Como assim? Cansou mas é tranquilo? Você tem 30 anos e tá botando os bofes pra fora e acha que “eu aguento de boa”? (Lé ele!).

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Pronto…vou morrer.

Na frente de minha esposa, miseravelmente, porque vou escalar um Everest para chegar num diabo de morro pra tirar foto! Mas que m&rd4 eu estou fazendo?

Primeira atração foi o Poço Encantado.

Depois de dirigir por quase 2 horas, chegamos no local da gruta. Preparação com equipamentos, guia explicando as coisas, lanterninha no capacete…e uma trilha com uma descida a perder de vista. Mas daí eu pensei: “Pra baixo todo santo ajuda. O inferno vai ser subir”. E foi mesmo.

Mas, entre uma descida que doeu minhas pernas (sim, verdade) e uma subida que me matou 4 vezes (sim, verdade) havia o Poço Encantado.

Eu não vou descrever não. Eu vou colocar essa foto aqui:

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Mas não vou mentir: teria relaxado e contemplado muito mais se eu não estivesse pensando na subida da gruta. Mas valeu a pena cada morte para visitar essa coisa maravilhosa que a natureza proporcionou.

No mesmo dia fomos no Poço Azul e pudemos nadar em um lugar sensacional. Que lugar fantástico! Que água fria dos inferno! Mas valeu a pena cada falta de ar da descida e da subida.

Bom, com o passar dos dias e das atrações, comecei a perceber que muito do que eu pensava era puro exagero. Era pura ansiedade. E comecei a curtir muito mais as atrações. Comecei a me preocupar em estar ali, nas trilhas, nas cachoeiras, nos momentos do caminho onde as paisagens se revelavam, nas flores exóticas, nas rochas esculpidas pelo tempo, nas estalactites, estalagmites, colunas, areias coloridas, águas gélidas mas de um azul indescritível.

A cada atração, a resistência à mudança foi caindo por terra. A cada aventura, a antecipação com o medo do esforço foi sendo trocada pela excitação de poder estar presente em lugares mágicos. Em contemplar, o que pra mim, é o verdadeiro significado de Deus.

Essa expedição gerou uma mudança em mim.

Não estou falando somente no quesito atividade física mas também no entendimento que a quietude da mente proporciona uma vida muito mais prazerosa.

Daí que olhando para toda a experiência e tentando fazer a analogia com o meu dia a dia, vejo que todas as teorias e conhecimentos que lemos em nossos livros corporativos, todos os conselhos que damos e ouvimos em nossas carreiras, só são verdadeiros quando a gente vivencia isso de verdade fora do contexto de trabalho e aprende de verdade com a natureza.

E não adianta antecipar sentimentos, expectativas baseadas em achismos. Apesar das subidas e descidas, apesar dos esforços, há sempre a recompensa de algo lindo para se contemplar. Há sempre algo para aprender nas trilhas que escolhemos.

Calce sua bota, pegue sua garrafa de água, faça uma mochila com somente o necessário e vá leve em direção ao caminho que você planejou. Ouvir pessoas com experiência é uma bênção. Falar menos é sabedoria.

E siga em frente. Sempre.

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(Muito obrigado Carina e Dudu do canal Então Vamo Nessa! Vocês foram a nossa salvação!)

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